Quando Stephanie Spera fala sobre seu trabalho com a Equipe de Ciências Aplicadas liderada por ela no projeto para “Dimensionar os Efeitos das Mudanças Florestais sobre a Provisão de Serviços e a Regulação dos Serviços Ecossistêmicos” no sudoeste da Amazônia, ela menciona duas motivações. A primeira, biofísica, é contribuir para que a Amazônia não chegue a um ponto de inflexão, o que significa possíveis danos irreversíveis à maior bacia hidrográfica do mundo, que reúne quase metade dos estoques de carbono das florestas tropicais. A segunda motivação diz respeito aos 33 milhões de pessoas, incluindo 1,5 milhão de indígenas de 358 grupos diferentes, cujo sustento depende dos serviços ecossistêmicos que recebem da bacia amazônica.

Ilustração à direita: A distribuição ideal de serviços ecossistêmicos. De Ruth de Fries et al. 2004, Foley et al 2007

 

Stephanie e sua equipe seguem em busca de seu objetivo, tendo como foco dois fluxos de trabalho que estão interconectados. Por um lado, pretendem compreender melhor os efeitos do uso do solo e das mudanças em sua cobertura que são impulsionadas pela construção de estradas e conexões nesta região transfronteiriça. Por outro lado, sua equipe e ela criam mapas e produtos que destacam as áreas potencialmente impactadas, que são entregues às comunidades locais.  

“O Programa de Ciências Aplicadas da NASA e SERVIR-Amazônia é a oportunidade perfeita para trabalhar na intersecção entre ciência, tecnologia e inovação, permitindo-nos traduzir dados em ferramentas úteis para o desenvolvimento”, diz Stephanie. “Queremos permitir que aqueles envolvidos com o planejamento e a tomada de decisões regionais e locais, e os cidadãos do Acre e Ucayali, incluindo as comunidades indígenas e tradicionais das bacias hidrográficas de Sierra del Divisor, Yurua e Purus, entendam melhor as trocas entre as atividades de desenvolvimento e os serviços ecossistêmicos.” 

Efeitos negativos do desmatamento da floresta

Recentemente, o ator de Hollywood e ativista ambiental Leonardo DiCaprio uniu sua voz a de outros, alertando sobre os danos causados pela construção de estradas ilegais em Ucayali e demandando ações concretas.

De fato, na área transfronteiriça do estudo de Spera entre o Brasil (Acre) e o Peru (Ucayali), o desmatamento e a degradação florestal local e regional estão afetando a provisão de serviços hidrológicos e a regulação dos serviços ecossistêmicos. Os recentes episódios de desmatamentos e degradação florestal seriam o resultado de um corredor de transporte transfronteiriço planejado entre Pucallpa, Ucayali e Cruzeiro do Sul, Acre. Outras construções de estradas planejadas também podem afetar os serviços do ecossistema hidrológico com efeitos em cascata sobre os recursos naturais, resiliência a desastres, áreas de conservação, biodiversidade e comunidades indígenas na região. O desmatamento e a degradação florestal têm sido associados a inúmeras consequências ambientais negativas, como reduções na biodiversidade, taxas de evapotranspiração e armazenamento de carbono e aumentos na temperatura, extensão da estação seca, fluxo de rios, ocorrência de incêndios e emissões de CO2.

O que dizem os algoritmos 

Yunuen Reygadas é pós-doutorada com PhD em Geografia pela Universidade de Richmond e faz parte da equipe de ciências aplicadas. Uma publicação recente aberta ao público escrita por ela em coautoria com Spera, Salisbury e membros da equipe SERVIR, destaca a dinâmica da mudança da cobertura da terra que ocorreu nesta região remota e transfronteiriça nas últimas duas décadas. A publicação também resume as trocas entre algoritmos de mapeamento de perturbações florestais de código aberto baseados em imagens Landsat para permitir que os interessados entendam melhor qual algoritmo pode ser mais adequado à área de estudo do usuário e ao objetivo da pesquisa.  

Usando o Google Earth Engine, a equipe comparou o desempenho de três algoritmos – Detecção de degradação contínua (CODED de seu acrônimo em inglês), detecção de tendências de perturbação e recuperação com imagens Landsat como base (LandTrendr) e Detecção de Perturbação de Série Temporal Multivariada (MTDD de seu acrônimo em inglês) – para detectar e caracterizar as perturbações florestais durante o período de 2000-2020. Em geral, os resultados de todos os algoritmos concordaram com os dados de referência: as precisões gerais foram de 94% (± 0,6% LandTrendr), 95% (± 0,6% MTDD) e 96% (± 0,6% CODED). Embora os produtos do mapa exibam padrões espaciais semelhantes, eles frequentemente diferem na extensão específica da perturbação. O CODED funciona bem na captura de perturbações associadas a estradas, o MTDD se destaca melhor na captura de fragmentos completos de perturbações e o LandTrendr se destaca em termos de facilidade de uso e variedade de opções de saídas. Eles concluem que seria incorreto presumir que qualquer algoritmo seja o mais preciso; em vez disso, descrevem os pontos fortes e fracos de cada algoritmo para oferecer aos usuários insights sobre qual opção pode ter o melhor desempenho em cenários específicos.

Uma análise complementar feita por outros membros do grupo de pesquisa de Spera, incluindo o assistente de pesquisa Scott LaRocca, sobre dados de estações meteorológicas em Ucayali e no Acre mostram que as temperaturas máximas estão aumentando. A equipe agora está trabalhando para entender como as perturbações florestais mapeadas estão contribuindo para mudanças nos serviços ecossistêmicos, como precipitações, evapotranspirações e temperatura da superfície da terra. Os resultados preliminares mostram que há uma diminuição geral anual nas taxas de evapotranspiração oriundas de perturbações florestais (especialmente de desmatamento) durante o período de estudo. Por exemplo, durante 2003, as áreas desmatadas transpiraram cerca de 6% menos do que a floresta intacta; em 2020, essa diferença aumentou para 16%. As perturbações florestais no Acre e Ucayali entre 2003 e 2020 representaram uma perda de 37 km3 de água.
 

Condições da floresta (Reygadas et al., 2021) v. Evapotranspiração (https:////earlywarning.usgs.gov/fews/product/460) no sudoeste da Amazônia entre 2003 e 2020.

Retribuindo mais

A equipe de Stephanie está determinada a se envolver com diferentes grupos de usuários e alcançar um amplo público com sua pesquisa.

Em primeiro lugar, existem as comunidades indígenas que vivem na área transfronteiriça. O co-investigador David Salisbury, professor associado de Geografia e Meio Ambiente da Universidade de Richmond, tem colaborado com parceiros locais e organizações indígenas por mais de uma década. Por meio de workshops e reuniões, ele documentou com eles as mudanças em seus meios de subsistência: Precipitações e fluxos de água menos previsíveis, solos mais secos, temperatura do ar mais quente e uma floresta menos úmida. Em novembro, David Salisbury se reuniu com as partes interessadas locais para entregar uma análise em formato de mapa e de pôster para agências governamentais, organizações indígenas e comunidades indígenas em Ucayali e Acre. As comunidades indígenas e suas organizações estão preocupadas com a forma como a construção de estradas afetará suas comunidades, florestas e serviços ecossistêmicos, e usam esses mapas para discutir os desafios, impactos e possíveis soluções. Leia mais sobre as perspectivas das comunidades em projetos de construção de estradas (em espanhol). Durante sua visita, Salisbury distribuiu 40 pôsteres e 76 mapas e os discutiu com duas agências governamentais de Ucayali, três associações indígenas, três comunidades indígenas, uma universidade, um Congresso Indígena Internacional e a sede de um parque nacional.

IMulheres indígenas e David Salisbury usam o pôster da ABSAT NASA SERVIR para discutir a importância da liderança das mulheres nas áreas da saúde, educação e meio ambiente diante da construção de uma estrada que ameaça sua comunidade indígena, em novembro de 2021..

Aumentar a capacidade de Serviços de Informação Geográfica dos atores nacionais tem sido o foco de Yunuen, que em 2021 conduziu duas sessões de treinamento de 2 dias em espanhol sobre como usar o Google Earth Engine (GEE) para mapear a degradação florestal com algoritmos baseados nas imagens Landsat. A equipe escreveu todo o código em GEE com a intenção de compartilhá-lo com as partes interessadas. Os participantes vieram de organizações parceiras do Hub SERVIR-Amazônia da Colômbia, Peru, Brasil e Equador.

A equipe também realiza reuniões mensais com um grande e diversificado grupo de partes interessadas que discute os últimos avanços da implementação do projeto, para responder aos interesses dessas partes e para aumentar a capacidade de suas organizações parceiras.

Por último, este projeto de Ciências Aplicadas e Tecnologia oferece inúmeras oportunidades para alunos da Universidade de Richmond, que, atualmente, conta com nove alunos de graduação envolvidos nesta pesquisa. Por exemplo, dois dos alunos que mais se destacaram na equipe, Tereza Hernandez e Lindsey Barnard, realizaram uma análise da retórica das postagens do Facebook e do Twitter associadas à construção de estradas no Peru e no Brasil e descobriram que os apoiadores da construção de estradas na fronteira amazônica geralmente não vivem de fato nas áreas de construção. Eles apresentarão este trabalho na Conferência de Geógrafos da América Latina em janeiro. Recentemente, Stephanie também recebeu o Prêmio H. Hiter Harris III de Excelência em Tecnologia Instrucional da Virginia Foundation for Independent Colleges. Ela está constantemente experimentando novas abordagens para melhorar o aprendizado dos alunos, como evidenciado pelo lançamento de sua recente série de podcasts “How we got Here”, coapresentado com sua colega Dra. Rachel Lupien. O podcast, dirigido a estudantes do ensino médio, universitários e pós-graduandos, tem como foco dialogar com pessoas que descobriram como usar seus talentos para combater a mudança climática e inspirar outras pessoas a fazer o mesmo.

Próximos passos

Em seu último ano de implementação, a equipe manterá seu site, onde publicará seu mapa e análises em inglês, espanhol e português, e refinará sua análise de serviços ecossistêmicos de áreas perturbadas. Eles planejam criar um geodashboard que fornecerá aos usuários todos os dados coletados e gerados ao longo deste projeto e permitirá que os usuários visualizem as trocas entre perturbações florestais e variáveis ambientais, como temperatura, precipitações e evapotranspiração.

Finalmente, se a COVID permitir, o projeto culminará com um workshop com partes interessadas das comunidades indígenas, em que os membros da equipe se reunirão e discutirão as descobertas para desenvolver competências.

Veja a apresentação de Stephanie Spera na semana de Ciências Aplicadas da NASA, realizada em agosto de 2021

 

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